"O grupo de Pedrouços"
Há tanta coisa boa para dizer sobre Pedrouços que nem sei por onde começar!
Talvez pelo princípio.
[Não contei esta história na altura, mas acho que já a posso contar agora. 😊]
Logo no primeiro dia, um dos formadores mostrou-nos as primeiras páginas dos jornais vespertinos dessa tarde, com fotografias da Lusa, dos protestos de populares de Famalicão contra a decisão da Federação Portuguesa de Futebol de impedir o clube da terra de disputar o Campeonato Nacional da I Divisão. Queria o formador – e muito bem! – mostrar a importância que tem a Lusa para a imprensa, importância essa tantas vezes menos visível e valorizada.
Sentados lado a lado, eu e o Sérgio Alves trocámos sorrisos. É que grande parte das notícias sobre o assunto publicadas por esses mesmos jornais tinham sido feitas por mim.
Por uma daquelas muito raras coincidências, o jornalista estava a dois passos do acontecimento inesperado quando ele se deu. Atraído pelo barulho que vinha da rua, fui até à estação de caminhos-de-ferro de Famalicão, onde inúmeros populares se concentravam, arrancando vigas da linha férrea. Nessa noite, fui fazendo um vaivém entre a estação e a minha casa, que serviu de “redação” improvisada, pois aí eu tinha um precioso telefone, que me permitia ditar as notícias para o colega de serviço em Lisboa.
No dia seguinte, fiz as malas e parti com o Sérgio para quatro meses inesquecíveis na Escola Profissional de Pesca de Pedrouços.
Nós, os 27 formandos de Pedrouços’88, fomos uns verdadeiros privilegiados. Beneficiámos do primeiro, maior e mais aprofundado curso de jornalismo de agência noticiosa alguma vez feito em Portugal. Ministrado por experienciados jornalistas da Lusa, mas também por gente sabedora de outros domínios fundamentais de uma área do jornalismo que precisa (mesmo!) de uma sólida formação prévia.
A responsabilidade de um jornalista de agência é muito grande. A repercussão do que ele faz diariamente é enorme. A formação especializada em jornalismo de agência é, por isso, essencial.
Quem me conhece sabe como sempre valorizei muito a formação. Cheguei a comentar que deveria ser o jornalista em Portugal com mais formação em jornalismo (hoje, felizmente, já há bastantes mais com números idênticos): 11 anos de estudo no Ensino Superior (bacharelato, licenciatura, mestrado e doutoramento) … mais 4 meses no curso de Pedrouços, que em nada foi inferior.
Eu e o Sérgio Alves já eramos jornalistas da Lusa, na delegação do Porto (entrámos no mesmo dia, 1 de março de 1988), quando fomos para Pedrouços. Ambos frequentámos a Escola Superior de Jornalismo. Alguém poderia achar que não precisávamos de mais formação. Mas os organizadores do curso de Pedrouços acharam – e muito bem! – que só teríamos a ganhar se também fossemos integrados no grupo. Até porque ainda nos encontrávamos na faixa etária exigida (dos 18 aos 24 anos).
O regime semi-intensivo do curso (4 horas diárias de aulas), os almoços na cantina dos pescadores, a concentração da maior parte do grupo (alguns iam dormir a casa) nas duas camaratas da Escola de Pesca (uma para moços e outra para moças) e as muitas horas que sobravam para convívio e copos no Bairro Alto fizeram crescer no grupo de Pedrouços relações muito fortes de amizade e cumplicidade, que perduram ainda hoje.
Com o final do curso, foram muitos os que ficaram a trabalhar na Lusa, não só nas delegações e outras capitais de distrito (o curso tinha sido criado precisamente para reforçar a rede de jornalistas fora da sede), mas também em Lisboa. Poucos meses depois, a saída de uma vintena de jornalistas da Lusa para o “Público”, diário então em preparação, deu oportunidade de entrada na Lusa a mais uns quantos formados em Pedrouços.
Não posso precisar quantos (os irmãos Pinheiro de Almeida saberão, com certeza), mas deveremos ter sido cerca de 20 formados em Pedrouços que, “de repente”, integraram a redação da Lusa.
A então muito jovem Lusa, ainda a sarar algumas feridas da concorrência Anop/NP, mudou, e muito, a meu ver, com a entrada do grupo de Pedrouços, que, como se diz na gíria futebolística, vestiu claramente a “camisola” da Lusa. A sólida formação recebida, aliada à garra e empenho de jovens cheios de vontade de fazer mais e melhor, permitiu à Lusa dar uma resposta coesa e credível às inúmeras solicitações de um mercado dos media que cresceu e se diversificou muito nos anos 80 e 90.
Estou eternamente grato à Lusa, pelo que me ensinou e pelo que me proporcionou. O jornalismo de agência é o jornalismo do rigor, da deontologia, da retidão, da fiabilidade, da verdade, da factualidade, valores e objetivos que devem reger o comportamento humano, e, por maioria de razão, o comportamento do jornalista.
Hoje, fora da Lusa, mas nunca dela desligado, procuro transmitir aos meus alunos da Universidade do Porto esses mesmos valores, os mesmos objetivos, a mesma paixão por uma profissão nobre de serviço à comunidade.
34 anos depois (Uiiii! Já?!), é bom ver que vários dos nossos colegas de Pedrouços permanecem na Lusa, um dos quais, o Nuno Simas, na Direção de Informação.
E, ao longo destes anos, foi muito bom ver um dos nossos formadores, o João Pinheiro de Almeida (que me atirava giz à testa cada vez que me apanhava na conversa 😊), incansável em sucessivas ações de formação, que a Lusa teimosamente não deixou de fazer.
O saber não ocupa lugar. Seja bem-vinda a Escola Lusa!
Fernando Zamith
Formando do curso de Pedrouços em 1988 e hoje professor de Jornalismo na Faculdade de Letras do Porto
Grupo de formandos do curso "Pedrouços 1988"